O Rancho TÁ-MAR[1]
Depois da sua exibição em Montijo, cresceu-nos o interesse de visitar a Princesa Praia da Nazaré.
Não fugimos à tentação de então mais de perto, podemos apreciar esse colorido, esse fulgor cantante do Rancho «Tá-Mar».
São 37 elementos aproximadamente, de rapazes e raparigas com seus trajos típicos de pescadores e peixeiras, cheios de vida.
É um rancho típico e regionalista, tirando o seu reportório de músicas antigas desta praia. Formado por volta de 1936, tem no seu grupo não só pescadores como operários, visto ser difícil a formação somente daqueles, devido ao seu trabalho do mar. Cartaz colorido da Praia da Nazaré, ele tem erguido bem longe o seu nome nas suas actuações em digressão por Portugal e Estrangeiro. Desde Madrid por duas vezes, onde num concurso internacional de danças típicas obteve o 1º prémio, a França e Biarritz, o Rancho «Tá-Mar» tem sido apreciado com as mais lisonjeiras referências. Bastantes convites lhe têm sido dirigidos como do Brasil e Londres, o que bem marca sua repercussão no estrangeiro.
Subsidiado pela Comissão de Turismo da Nazaré bem como pelo SNI e a F.N.A.T. que contribuem para as despesas ao estrangeiro, o Rancho «Tá-Mar», luta com certas dificuldades. No entanto o carinho que lhe tem sido dispensado, tanto pela parte directiva como por parte do público, ele continua de pé nas suas actuações, semeando o delírio por entre a assistência como há tempos numa representação regional, exibindo-se para o Congresso Internacional de Viagens cujos membros ficaram encantados.
Muito embora, com o tempo, duma maneira geral todas as nossas regiões tendam em perder o seu folclore, o Rancho «Tá-Mar» da Nazaré, é ainda um facho aceso, que incendiará a onda adormecida de quanta beleza temos. É vê-los, descalços de cerolas e camisas axadresadas, faixa e barrete e elas, oito, nove, onze saias, blusa fina e avental e chapéu redondo com um pom-pom, posto a preceito sobre o lenço. Em rodas, viras, corridinhos, imprimem toda a donaidade da sua terra, batendo o pé, rodando as saias, que de tantas, se desfolham como um livro que deixa ler a história mais bela das praias de Portugal.
Os seus cantares, a sua coreografia, tem qualquer coisa de estranho que na sua dolência ou vivacidade, nos deixa espreitar o que de verdadeiro é a vida do pescador, cantares simples, «Camisa riscadinha», «Vira da Nazaré», «Corridinho remexido», «Não vás ao mar Tonho», em que ela suplicante pede que não se meta ao mar traiçoeiro que está bravo; uma história simples de pescadores de alma sã, que não resistimos à tentação de trazes às nossas colunas:
*
Não vás ao mar,
Tonho
Podes morrer
Tonho
Fico sem ti
Tonho
Ai Tonho, Tonho
Tão mal estimado és
Ai Tonho, Tonho
Nem umas meias tens p’rós pés
Adeus Maria
Que eu vou p’ró mar
Buscar sardinha
P’ra seres Rainha
Ela é fresquinha
É como a prata
Não tenhas medo
Que o mar não mata.
*
Colóquio de amor, que com a graça do bailado, como todas as outras, nos prende, cativa e nos diz que ao menos na Praia da Nazaré, ainda há o típico, ainda se canta à moda portuguesa.
A [x][2] e o [y], dois componentes do Rancho
…falaram ao nosso jornal. A [x], é uma moça de 17 anos e está no Rancho há 2 meses. Sempre gaiata, risonha nos seus olhos vivos, mão à cinta, um pouco ofegante após o ensaio, temo-la aqui junto a nós na sua fala cantante:
– Ouve lá; com que Rancho a que terras já foste?
– Muitas.
– Cartaxo, Vila Moreira, e…Montijo.
– Ao falar em Montijo riu-se, olhou para as companheiras e acabou a dizer.
– Gostei muito de Montijo é uma linda terra.
– Então escuta-me, de que gostaste mais nesta vila, [x]?
– Como nos receberam, da Feira e das luzes…
– Quer dizer gostavas de voltar ao Montijo, não é assim?
– Ai, pois, e «hei-de», lá voltar se Deus quiser!
– Que queres tu dizer para o Montijo, no nosso jornal?
Aqui a [x], quedou-se pensativa, acabando por interrogar sobre o que havia de dizer às outras que a rodeavam, ao que uma, em largos gestos disse: Ai [x]! que tens saudades, que «amandas» cumprimentos! Ai, tanta coisa…
A [x], concordou que sim, que era isso que desejava, e lá foi saracoteando, baralhando as saias, sempre gaiata, sempre risonha na sua tez esmerecida [sic] pelo ar do mar, para dar a vez ao seu colega dos bailados, [y].
Este rapaz que poucas características já tem de Nazareno, fala desempoeirado, tem 18 anos e está no Rancho há 18 meses, bastante viajado nas exibições, Lisboa, Cartaxo, Vila Franca, Caldas da Rainha, Vila Moreira e Montijo.
Mas, bom leitor, isto, não há como pô-lo a falar.
– Não foi você, que em Montijo, torceu o pé ao sair do estrado?
– Fui sim senhor. Até quero agradecer ao Sr. Doutor e à enfermeira que me tratou.
– Bem, nós por ti, agradecemos, está bem? Ouve cá, de que gostaste mais em Montijo?
– O acolhimento que tivemos. Nunca me exibi com tanto publico. A não ser no Coliseu em Lisboa.
– Olha que talvez nem aí, basta dizer que a vossa exibição nas festas de Montijo, foram ao ar livre e de livre entrada num grande largo. Mesmo com o que te sucedeu, gostavas de voltar à nossa terra?
– Gostava, e penso que para o ano lá iremos outra vez.
– Pois sim, e porque não?
Assim também faço votos.
E estes momentos aprazíveis passados junto do mais completo e destacado Rancho português no género, tinham chegado ao fim.
Na verdade, não errámos na nossa suposição, mais de perto, ficaríamos com uma ideia formada sobre o Rancho «Tá-Mar», e na verdade ficámos.
[1] “O Rancho Tá-Mar”, in Semanário A Província, [s.n.a.] Ano I – N.º22, pp. 7 e 11.
[2] Omitimos o nome dos dois entrevistados, ambos componentes do Rancho Tá-Mar à época, por questões de privacidade dos próprios e/ou descendentes.