As motivações que temos na vida parecem ter origem nos mais recônditos lugares da nossa memória.
Momentos maus, momentos bons, tudo faz parte de uma “história de vida” comum a todos.
Desta feita a memória recorda os pássaros da minha vida.
Pintassilgos, Jovins, Canários, o meu pai lá os trazia e dizia que tinha sido o amigo A, B ou C que lhe tinha dado…e era assim mesmo.
Aqui, como noutros lugares os “passarinhos”, como dizia a minha mãe, por vezes chateada pela alpista espalhada no chão da cozinha, faziam parte da família.
Era uma disputa, porta a porta, no cantar dos pássaros, e os que “dobravam” eram campeões de audiência, até de inveja!
O canário, o jovim e o pintassilgo eram os que mais se adaptavam a essa vida “familiar” e nem o “ar lhes podia chegar”.
Bem tratados, gaiolas lavadas diariamente e alpista fresca todos os dias.
Mas isso era noutro tempo. No tempo em que cada casa, a cada porta, havia um “passarinho” a cantar. Um “passarinho” que, no fundo, era o orgulho exterior daquela família, o que se conseguia ouvir para além das ondas do mar.
É difícil descrever o que os “passarinhos” significavam para as pessoas da Nazaré. Mas sem “ligação” direta com o peixe que pescavam, e não vivendo da agricultura, restava-lhes, perante o tempo disponível, “o passarinho”, já que aquários não era coisas de pescadores e a agricultura tinha sido por muitos esquecida.
Este – adiantando – era um “maçaroco” – Papagaio-do-senegal (Poicephalus senegalus).
O “maçaroco” foi um dos “passarinhos” que o meu pai trouxe numa das suas viagens da marinha mercante e foi, de todos, o mais interativo.
Tinha uma “vida livre”.
Eu vivia num quintal onde ele andava livremente com as patas viradas para dentro, assim como quem tem pé-chato, subindo e descendo da gaiola sem porta. Era, por assim dizer, uma alegria, uma companhia.
O “maçaroco” foi feliz e eu, em particular, fui muito feliz por tê-lo e mais não cabe aqui.
O que cabe aqui é este testemunho de vida, acima de tudo, de saudade, desses tempos em que os meus pais estavam neste mundo e em que os “passarinhos” eram, efetivamente, um elemento identitário das famílias desta terra.
Já não há gaiolas em casa, nem quintais, nem pássaros a passear pelo quintal, agora vazio de identidade, ficou apenas a recordação de tempos passados.
Imagem: Espólio do responsável deste Blog.