Imaginem que a fotografia não tinha sido inventada.
Imaginem que não conheceram pessoalmente alguns dos vossos antepassados próximos.
Imaginem que não existia a curiosidade natural, digo eu, de perguntar aos pais, avós e bisavós como era, quem foram, o que fizeram, e por aí adiante.
Imaginem que não existia memória, que as pessoas viviam o presente sem recordação do passado.
Imaginem que conhecíamos apenas a nossa história e a dos nossos descendentes, filhos, netos e bisnetos.
Imaginem que não tínhamos a capacidade, também natural, de nos identificar, social e culturalmente, com os nossos relativos, com aqueles que nos antecederam e com os que nos sucederam.
Felizmente que temos a fotografia e, felizmente, que temos todas essas capacidade e possibilidades de procurar nas gavetas da memória as estórias da história que todos nós carregamos. Desse modo, como refere Fernando Catroga, a «formação do eu de cada indivíduo será, assim, inseparável da maneira como ele se relaciona com os valores da(s) sociedade(s) e grupo(s) em que se situa e do modo como, à luz do seu passado, organiza o seu percurso como projecto.» CATROGA (2001:20).
É, pois, neste âmbito que a fotografia acima conta, e acrescenta, uma história, transmite uma identidade que, por mais inalcançável que possa parecer, contribui para a construção memorial, ainda que induzida, de uma determinada pessoa que na realidade não conhecemos, com a qual não convivemos, que nada nos disse, pelo simples facto de ter falecido antes de nascermos.
Pela foto, e através dela, assim como nas informações que formos recolhendo, escrevemos uma pequena história de vida, um pequeno memorando, sabendo porém que a memória só poderá desempenhar a sua função social através de liturgias próprias centradas em reavivamentos que só os traços-vestígios do que não existe são capazes de provocar* assumindo-se, portanto, como um ritual, uma acção cadenciada, alimentada e perfeitamente planeada, cuja identificação, ou caracterização, se enquadra no conceito do estudo genealógico.
A genealogia é, por isso, um ritual, uma acção que obedece a normas pré-estabelecidas, a um conjunto de “movimentos” litúrgicos que têm como objectivo o conhecimento dos antepassados, o seu estudo e, para os casos aplicáveis, a sua divulgação.
Concluindo, ainda que o assunto mereça e careça de ampla discussão, a fotografia complementa a informação sobre uma determinada pessoa.
Ajuda a “conhecer” o outro, permitindo, como parece ser estendível, uma identificação social e cultural com os que nos rodeiam, façam ou não parte dos nossos antepassados.
Foi por tudo isto, e acima de tudo pela fotografia, que conheci melhor o meu avô, Carlos Bombas Guincho.
Agora posso contar a sua história aos meus filhos e netos, e se lhe juntar esta pequena foto, com toda a certeza que na sua memória ficará a imagem de alguém que eles sabem que lhes pertence, ainda que distante no tempo e no espaço.
Foto: Espólio de Carlos Fidalgo
Fontes:
*CATROGA (2001:23)