Prefácio: Dr. Delfim Bismarck
Introdução
Através dos estudos realizados no âmbito das Ciências Sociais, em particular sobre a forma como a Humanidade se foi adaptando às alterações climáticas, à orografia, aos recursos que lhe permitiriam a sobrevivência, podemos constatar que o estudo ou a história de uma comunidade não é estática e nunca o poderia ser.
Na verdade, sendo muito dinâmica, modifica-se a cada dia que passa, agregando novos comportamentos – novas formas de adaptação ao meio – que acabam por determinar novos rumos, novas histórias por investigar.
Nesse dinamismo, confirmado pelos documentos do passado e pelas dinâmicas do presente, percebemos a necessidade da sua interpretação, do seu enquadramento histórico para que, pelo menos, as questões se levantem e as certezas, apostas em documentação de inegável credibilidade, se afirmem como elementos de grande valia para o conhecimento dos nossos antepassados e, por conseguinte, para uma maior e melhor percepção do nosso papel na sociedade actual.
Não podemos, por isso, olvidar essas ligações, sob pena de se perder nas brumas do esquecimento a reflexão do Dr. Granada, com a qual concordamos em absoluto.
«A avalanche do cosmopolitismo contemporâneo tudo levou e uniformizou, sem se saber quem subiu e quem desceu, quem perdeu e quem ganhou. Não obstante, hoje como sempre, rebuscar os arquivos e ler os velhos assentos, memórias e documentos continua a ser a forma de buscar e encontrar matéria para rememorar a Nazareth, compreender as suas origens e a sua evolução e para melhor entender e amar a terra e a gente.»[1]
De facto, assim como noutros locais de Portugal, o concelho da Nazaré também parece assumir-se como um território composto por gente originária de vários quadrantes geográficos, sociais, económicos e culturais.
Aliás, não deveremos colocar em questão que a comunidade que formou a Nazaré é produto desses processos de aculturação de tempos anteriores, como os do presente pesarão na forma de estar e ser das gerações futuras. [2]
Como refere Jaime Cortesão, «não há por certo aqui [Nazaré], diga-se, desde já, tradições, mais típicas e antigas, ligadas ao género de vida da pesca, do que na Póvoa de Varzim, Portimão e Tavira. Houve, sim, uma confluência e estratificação de costumes e tradições, realizada por demais num lugar geográfico e etnográfico de transição entre o Norte e o Sul do País.»[3]
Posto assim – perceba-se – o que a seguir se expõe não representa uma abordagem apologética às gentes da região litorânea de Aveiro, em particular às de Ílhavo, mas a todos aqueles que, obrigados pelas mais variadas razões, iniciaram procedimentos migratórios com destino a outras áreas geográficas na busca de melhores condições de vida. Assunto que, pelas mais variadas razões, ainda hoje é tema do quotidiano.
Assim, baseados nas fontes bibliográficas disponíveis, mas, sobretudo, nos registos da Paróquia da Pederneira, [4] juntamente com alguns estudos genealógicos, apresenta-se o resultado dessa pesquisa que se encontra balizada temporalmente entre os anos de 1609 a 1850,[5] para o caso da documentação paroquial.[6]
[1] GRANADA (1996:25).
[2] Sobre este assunto confira-se, GRANADA (1996:177-178).
[3] CORTESÃO (1995:180)
[4] Na realidade, não é a primeira vez que recorremos aos registos paroquiais para sustentar a nossa opinião sobre assuntos de História do Local (como se começa a utilizar) e, mais uma vez, são os documentos paroquiais que nos fornecem informações, juntamente com a bibliografia que consultámos, sobre os movimentos sociais de várias zonas de Portugal para a Vila da Pederneira. Sobre tudo isto, consulte-se, entre outros, os nossos trabalhos: As Igrejas da Pederneira (…), 2012. O Progresso e a Identidade Cultural, 2012, O Povoamento na área da Lagoa da Pederneira (…) 2010. A epidemia de Cholera Morbus e a gestão dos espaços de sepultura (…) 2014, Alguns elementos sobre a Quinta de São Gião (…), 2017.
Falta, no entanto, elaborar um estudo que congregue toda a informação relativa às origens geográficas das populações que rumaram ao concelho da Pederneira. Assim como iniciar uma pesquisa sobre os destinos das pessoas do antigo concelho da Pederneira, actual concelho da Nazaré, que iniciaram processos migratórios na procura de melhores condições de vida.
[5] De acordo com as datas extremas dos livros de óbito da Freguesia da Pederneira, depositados no Arquivo Distrital de Leiria (ADLRA). Decidimos fundamentar a nossa pesquisa, e análise, a partir dos registos de óbito. Ainda assim, e sempre que se considere pertinente, faremos referência a um qualquer baptismo ou casamento que possa sustentar – provando – a presença do indivíduo, mas, acima de tudo, a criação de laços sacramentais (casamentos com pessoas da Pederneira, assim como a respectiva descendência, se a houve). Para complementar a informação que considerarmos importante, colocaremos alguns elementos que ultrapassam, para o século XIX, a década de 50.
[6] Os registos que iremos apresentando serão complementados com informação que se considere pertinente no âmbito da identificação dos descendentes desses migrantes. Isto sempre que nos seja possível identificar os casos em questão.